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RESENHA | Pachinko de Min Jin Lee

Capa do livro Pachinko de Min Jin Lee.
(Ilustração da capa: Patrick Leger)

PACHINKO

Tema: Identidade; Discriminação; Família; Resiliência; Imperialismo Japonês 

Pachinko é uma novela de ficção histórica que apresenta quatro gerações de uma família de imigrantes coreanos no Japão do século XX. A obra foi publicada em 2020 pela Editora Intrínseca e traduzida pela Marina Vargas, formada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Letras pela PUC-Rio. 

O livro é composto por três partes, sendo eles: 

  • Livro I - Gohyang/Cidade Natal (1910-1933); 
  • Livro II - Pátria-mãe (1939-1962);
  • Livro III - Pachinko (1962-1989).

A história começa na virada do século XX, na ilha de Yeongdo, em Busan. Antes de sermos apresentados à protagonista, Sunja, acompanhamos a trajetória de seus avós: um pescador idoso e sua esposa, que dá à luz Hoonie, um menino nascido com o pé torto e uma fenda palatina. Dada sua condição, esperava-se que o filho não se casasse e não transmitisse essas características hereditárias, até o dia em que uma casamenteira apareceu na porta da casa deles com uma proposta.

Hoonie e Yangjin se casaram e tiveram Sunja

Sunja cresce durante a Guerra Sino-Japonesa, um período difícil em que os coreanos já enfrentavam o alto custo do conflito e sobreviviam com o pouco que conseguiam. Embora fosse uma menina dedicada, Sunja não teve acesso à educação — era analfabeta, assim como sua mãe. Seus conhecimentos se limitavam a operações matemáticas básicas, pois seu pai acreditava ser importante que elas soubessem lidar com dinheiro e negociar.

"Salve sua família. Encha sua barriga[...] No fim das contas, o estômago era seu imperador." (pg.195)

A vida de Sunja muda drasticamente quando conhece um homem coreano vindo do Japão, Koh Hansu, que chega à sua vila e a conquista. Em pouco tempo, ela se apaixona intensamente, acreditando que o casamento seria o próximo passo. No entanto, ao contar-lhe que está grávida, o homem propõe que ela seja sua amante, revelando que tem uma esposa e três filhas no Japão. 

Ela se entristece profundamente. Antes admirada e elogiada por todos na vila, agora sua honra estaria manchada. Era impensável ter engravidado de um homem que não era seu marido, e pior, casado. Isak Baek, um pastor que se hospedava na pensão de sua mãe, sente pena da jovem e decide casar-se com ela, assumindo a criança em seu ventre. No entanto, essa decisão também teria um custo: ela precisaria abandonar sua casa e se mudar para o Japão.

Assim, com a chegada deles em Osaka, a história segue ao longo dos anos, com cada capítulo apresentando as novas gerações que sucedem Sunja e Isak Baek. A principal força da obra reside na forma como explora a difícil experiência dos coreanos, tanto os nascidos na Coreia quanto os nascidos no Japão, ao enfrentarem as barreiras linguísticas, culturais e a profunda discriminação racial que marcavam suas vidas.

Historicamente, os coreanos nascidos no Japão, conhecidos como zainichi, eram tratados como "estrangeiros", apesar de serem japoneses de nascimento. Mesmo vivendo em um país que muitos consideravam seu único lar, eles eram excluídos de diversas oportunidades de emprego, privados de direitos como o voto e enfrentavam atitudes segregacionistas diárias.

Esse tratamento injusto, aliás, gerava uma divisão social interna complexa, especialmente para os coreanos recém-chegados, que ainda preservavam um forte apego à sua pátria mãe. Apesar das pressões do governo japonês, muitos desejavam manter sua cidadania coreana e, por vezes, até sonhavam em retornar ao lar conhecido.

— Às vezes sinto vontade de ver minha pátria novamente — disse Kim baixinho.

— Pessoas como nós não têm pátria. (pg.252)

Em contraste, os coreanos nascidos no Japão se viam constantemente vulneráveis, vítimas de intolerância e preconceito. Por serem de origem coreana, sentiam-se forçados a esconder sua identidade - como o personagem Noa - e a se passar por japoneses, tentando se encaixar em uma sociedade que, apesar de ser a única que conheciam, os rejeitava.

A linha tênue entre ser coreano e/ou japonês afetava profundamente o psicológico desses indivíduos, que não se sentiam parte da Coreia, um país emocionalmente distante e desconhecido, mas também não pertenciam ao Japão, um território que os via como intrusos. Mesmo ao adotarem a cidadania japonesa, isso não garantia proteção contra a discriminação anti-coreana e, em muitos casos, eles sofriam ainda mais com a exclusão pelos japoneses nativos.

— "Viver todos os dias na presença daqueles que se recusam a reconhecer sua humanidade exige muita coragem." (pg.215)

Para se integrar, muitos foram obrigados a adotar nomes japoneses e, até a década de 1990, aqueles que desejavam adquirir a cidadania japonesa enfrentavam requisitos humilhantes, como a obrigatoriedade de fornecer impressões digitais de todos os dez dedos. Em um dos capítulos do livro, Solomon, ao completar 14 anos, precisou pedir permissão para continuar residindo no Japão, tendo que renová-la a cada três anos, apesar de ter nascido no país.

A obra, apesar de ficcional, reflete acontecimentos históricos que continuam a impactar as culturas coreana e japonesa até hoje. Ela revela os reflexos da guerra, que separaram famílias e forçaram muitas outras a viver em condições desumanas e marginalizadas. Esse cenário de devastação e deslocamento ainda se repete em várias partes do mundo, com territórios sendo invadidos e pessoas inocentes lutando para sobreviver entre os escombros deixados. 

Pachinko se torna, assim, uma obra mais real e poderosamente intensa à medida que percebemos a autenticidade dos eventos marcados para sempre na história.

Árvore Genealógica de Pachinko
Árvore Genealógica - Pachinko

A obra

A ideia de Pachinko surgiu em 1989, no terceiro ano da faculdade de Min Jin Lee. Em 2007, ela teve a oportunidade de entrevistar coreanos no Japão, quando seu marido recebeu uma proposta para trabalhar em Tóquio. A obra foi publicada em inglês, pela primeira vez, em 2017, e dividida em dois volumes na versão coreana. Rapidamente se tornou um sucesso de crítica e público, sendo recomendada por Barack Obama e Oprah Winfrey. Em 2022, foi adaptada para TV pela Apple TV e ganhou alguns prêmios como: Gotham Awards (2022), Humanitas Prize (2022), Independent Spirit Awards (2023) e Critics Choice Awards (2023).

A obra foi traduzida para mais de 30 idiomas e recebeu diversos prêmios e reconhecimentos, destacando-se: Finalista do National Book Award de Ficção (2017), Vencedor do Medici Book Club Prize (2017), Finalista do Dayton Literary Peace Prize (2018) e Incluído na lista dos 100 Melhores Livros do Século 21 pelo The New York Times.

Por que 'Pachinko'?

Pessoas jogando em máquinas de pachinko, um tipo de jogo de azar popular em grandes arcades no Japão.
(Foto: Michael Maggs)

Pachinko é um jogo de arcade de azar popular no Japão que mistura pinball e caça-níqueis.

Min Jin Lee chegou a considerar o título "Motherland" para a obra, mas mudou de ideia após se mudar para Tóquio em 2007, onde entrevistou vários coreanos cujas famílias trabalharam em salões de pachinko.

Inicialmente, os operadores dos salões eram japoneses, mas, devido à natureza do negócio ser vista como desonrosa, estrangeiros foram contratados. O pachinko se tornou uma das poucas indústrias onde os coreanos, enfrentando discriminação, conseguiam trabalho e, em alguns casos, prosperavam. 

Assim, o nome funciona como uma metáfora, explorando a ideia de que a vida é como tentar ganhar um jogo, onde os personagens são guiados pela sorte ao longo de toda a sua jornada.

A autora

Min Jin Lee, autora do romance Pachinko, participando de uma coletiva de imprensa em Seul, em 8 de agosto de 2022. Yonhap
(Min Jin Lee, autora do romance "Pachinko", participando de uma coletiva de imprensa em Seul, em 8 de agosto de 2022. Yonhap)

Min Jin Lee emigrou com a família para os Estados Unidos aos sete anos de idade e cresceu no Queens, em Nova Iorque. Ela se formou em História pela Universidade de Yale e também estudou Direito na Universidade de Georgetown, exercendo a advocacia por alguns anos antes de se dedicar à escrita como profissão.

Atualmente, ela está trabalhando no terceiro livro do que considera uma trilogia (focada na cultura coreana), que aborda a diáspora coreana: "American Hagwon". O livro aborda o fervor que os coreanos ao redor do mundo têm pela educação. "Hagwon" é a palavra coreana para uma academia privada, um lugar onde os estudantes frequentemente vão após a escola para aprimorar seu desempenho acadêmico. 

Referência Bibliográfica

PACHINKO, Min Jin Lee; tradução Marina Vargas. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.

LEE, Min Jin. Pachinko: Inspiration. Service95. Disponível em: https://www.service95.com/min-jin-lee-pachinko-inspiration. Acesso em: 30 dez. 2024.

THE NEW YORK TIMES. The 25 Best Books of the 21st Century. The New York Times, 2024. Disponível em: https://www.nytimes.com/interactive/2024/books/best-books-21st-century.html. Acesso em: 30 dez. 2024.

MINORITY RIGHTS GROUP. Koreans. Minority Rights Group, 2024. Disponível em: https://minorityrights.org/communities/koreans/. Acesso em: 30 dez. 2024.

KOREA TIMES. Korea's cultural revolution in the 21st century. Korea Times, 2024. Disponível em: https://www.koreatimes.co.kr/www/culture/2024/12/142_352925.html. Acesso em: 30 dez. 2024.

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