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História | Zainichi no Japão e a Preservação Cultural

O termo Zainichi refere-se aos coreanos que vivem no Japão, incluindo seus descendentes. A palavra, de origem japonesa, significa literalmente 'residente no Japão' e é usada para designar os coreanos que foram levados ou migraram para o Japão durante o período colonial, tanto para suprir a escassez de mão de obra durante a guerra quanto em busca de melhores oportunidades de sobrevivência e desenvolvimento.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, cerca de dois milhões de coreanos ainda residiam no Japão. A divisão política da Coreia entre o Norte comunista e o Sul democrático levou à criação de duas grandes organizações minoritárias no Japão: Mindan (União dos Residentes Coreanos no Japão), fundada em 1946 e pró-Coreia do Sul, e Chongryon (Associação Geral de Residentes Coreanos no Japão), fundada em 1955 e pró-Coreia do Norte.

Após a derrota do Japão em 1945, a Coreia foi libertada, mas uma questão crucial surgiu: para onde os coreanos deveriam voltar — para o sul ou para o norte? 

A resposta não era tão simples para os zainichi. Enquanto muitos optaram por retornar à terra natal, outros permaneceram no Japão, divididos entre duas nações separadas por ideologias políticas e sem uma pátria unificada para chamar de lar.

A primeira organização: Liga dos Coreanos no Japão (1945-1949)

A Liga dos Coreanos no Japão, fundada em 1945 pelos zainichi, tinha como propósito estabelecer escolas, reivindicar direitos civis para os coreanos residentes e promover esforços de repatriação. Na época, os coreanos acreditavam que a divisão da Coreia fosse temporária, mas as negociações para reunificação falharam e, em 1948, foram estabelecidos governos independentes: a República Popular Democrática da Coreia (norte) e República da Coreia (sul).

Desde o início da organização, os zainichi demonstravam grande simpatia pelos ideais norte-coreanos, motivados por diversos fatores, entre eles:

  1. Forte senso nacionalista 🏳️: O desejo de ter um líder coreano, em vez de ser governado por potências estrangeiras, cresceu devido à longa opressão durante o período colonial japonês (1910-1945). Nesse contexto, Kim Il-sung, líder da Coreia do Norte, passou a ser visto como um símbolo de resistência ao imperialismo japonês, especialmente entre os coreanos que haviam enfrentado as mais diversas atrocidades sob o domínio colonial.
  2. Ausência de apoio sul-coreano ❌: O governo sul-coreano, alinhado aos Estados Unidos e liderado por Syngman Rhee, inicialmente, não deu apoio significativo aos coreanos residentes no Japão. Esse distanciamento fez com que muitos zainichi se sentissem marginalizados e sem perspectiva de apoio para sua reintegração à Coreia do Sul. Por outro lado, a Coreia do Norte, sob o regime de Kim Il-sung, ofereceu uma abordagem mais acolhedora, prometendo direitos civis e apoio à repatriação, o que atraiu muitos para seus ideais.
  3. Desilusão com o Japão e o Ocidente 😞: Muitos coreanos no Japão enfrentavam discriminação social e dificuldades econômicas. Nesse contexto, a promessa de igualdade e justiça social do regime comunista norte-coreano parecia mais atraente do que as políticas capitalistas e pró-ocidentais da Coreia do Sul.

Apesar da resistência das autoridades japonesas e, posteriormente, estadunidenses, a Liga fundou escolas de educação coreana com o objetivo de ensinar a língua e a cultura coreana, sobretudo às novas gerações nascidas no Japão, garantindo a continuidade de suas tradições e raízes.

Porém, em 1947, o governo japonês, sob pressão da administração americana preocupada com a possível influência comunista nas escolas, implementou uma medida que exigia que todas as escolas coreanas fossem credenciadas pelo Ministério da Educação do Japão, sob pena de fechamento. Esse credenciamento implicava a imposição do ensino da língua japonesa no lugar do coreano, o que para os coreanos representava uma violação de sua identidade cultural, gerando forte resistência.

Insatisfeitos, os zainichi organizaram protestos massivos nas ruas de Osaka e, especialmente, em frente ao escritório do prefeito da cidade de Kobe, exigindo autonomia educacional. Em resposta, as autoridades japonesas e americanas impuseram a lei marcial para suprimir os manifestantes. Em 24 de abril de 1948, ocorreram violentos confrontos entre os manifestantes coreanos e a polícia militar japonesa e americana. Esse episódio, conhecido como o Hanshin Education Incident, resultou na morte de um jovem coreano e se tornou um marco de grande tensão e repressão contra as demandas dos zainichi.

Em 1949, as autoridades americanas dissolveram a Liga, confiscando suas propriedades e fundos e emitindo mandados de prisão para seus líderes. Isso aprofundou ainda mais a divisão ideológica e política entre os zainichi, com muitos se juntando em massa ao Partido Comunista Japonês, enquanto outros se alinhavam com a Coreia do Sul.

Mindan, a União de Coreanos Residentes no Japão (1946-atualmente)

A Mindan, oficialmente conhecida como a União de Coreanos Residentes no Japão, é uma organização fundada pelos zainichi coreanos de interesse público, com o objetivo de beneficiar todos os residentes coreanos no Japão, ao mesmo tempo em que mantém laços com a Coreia do Sul.

A imagem mostra a cerimônia do 1º aniversário da fundação da Mindan e a celebração do Dia da Fundação Nacional, realizada em 3 de outubro de 1947, no Hibiya Public Hall, em Tóquio, sob o nome de ‘União de Coreanos Residentes no Japão’. À direita, a bandeira oficial da Mindan.
Fonte: Mindan, Japão.

Suas atividades continuam ativas até hoje, e a organização, reconhecida pelo governo japonês, promove a participação mais ampla dos coreanos residentes na política japonesa, buscando maior integração social e política, além de representar os interesses da Coreia do Sul no Japão. Além disso, um pequeno número de suas escolas obteve reconhecimento oficial como instituições de ensino em 2003, pelo governo japonês, permitindo que seus alunos se qualificassem para ingressar na universidade.

Um de seus maiores feitos foi a campanha de assinaturas para abolir a exigência de impressão digital de todos os dedos imposta pela Lei de Registros de Estrangeiros (Alien Registration). Esse documento precisava ser renovado anualmente para aqueles que não haviam adquirido a cidadania japonesa, mas que corriam o grande risco de serem deportados, tanto para o sul quanto para o norte, independentemente de terem nascido no Japão.

Em 5 de outubro de 1984, durante uma manifestação contra a coleta de impressões digitais realizada em Tóquio pela União de Coreanos Residentes no Japão (Mindan) e pela Associação dos Jovens Coreanos no Japão, o presidente da seção juvenil da Mindan de Quioto, Ha Cheol-ya, subiu ao palco segurando sua filha e gritou: "Eu nunca permitirei que as impressões digitais dessa criança sejam registradas." Esse movimento de resistência começou em 1980 e, após uma persistente luta dos coreanos no Japão, o governo japonês aboliu a exigência de coleta de impressões digitais em 1993.
Fonte: Mindan, Japão.

💭No livro Pachinko, de Min Jin Lee, há uma passagem que aborda a Lei de  Registros de Estrangeiros, quando o personagem Solomon tem que renová-lo. Confira a resenha clicando aqui.

Até hoje, a organização promove atividades culturais e intercâmbios, proporcionando aos jovens coreanos nascidos no Japão, da nova geração, a oportunidade de conhecerem a Coreia do Sul por 5 dias, vivenciando uma imersão cultural de suas raízes.

Chongryon, a Associação Geral de Residentes Coreanos no Japão (1955-atualmente)

Em 1955, os coreanos no Japão fundaram uma nova organização, a Chongryeon, com ênfase no apoio ao regime norte-coreano. Para evitar a repressão que havia afetado a Liga, a organização renunciou a qualquer envolvimento com a política interna japonesa, concentrando-se na preservação da identidade cultural e na educação dos coreanos no Japão.

Foto: Reprodução

Com o objetivo de contornar o controle das autoridades japonesas e a imposição do ensino da língua japonesa, a Chongryeon declarou suas escolas como "instituições não acadêmicas". Essa estratégia permitiu que as escolas continuassem a ensinar em coreano e mantivessem viva a cultura coreana, sem se submeter às exigências do Ministério da Educação do Japão.

Em 1957, o governo norte-coreano enviou uma grande quantia em dinheiro para que a organização estabelecesse uma universidade. No entanto, até hoje, essas escolas não possuem reconhecimento oficial. Como resultado, muitos pais coreanos optam por matricular seus filhos em escolas japonesas, já que, sem o aval do governo japonês, os diplomas dessas instituições não são reconhecidos no mercado de trabalho.

A organização também promove atividades culturais e intercâmbios, como visitas à Coreia do Norte para os recém-formados na Universidade Chosun, da qual se orgulham profundamente.

Sobre o acesso a ajuda

Os coreanos no Japão podem recorrer tanto à Chongryeon quanto à Mindan, dependendo de suas afiliações políticas e culturais. A Chongryeon, voltada para a Coreia do Norte, oferece suporte relacionado à preservação da identidade cultural coreana e mantém uma relação estreita com o regime norte-coreano, enquanto a Mindan, pró-Coreia do Sul, busca promover a integração dos coreanos à sociedade japonesa, oferecendo apoio em questões legais, educacionais e políticas dentro do Japão.

A escolha de qual organização procurar depende das necessidades individuais, sendo que, em questões práticas como assistência jurídica e política no Japão, a Mindan pode ser mais eficiente, enquanto a Chongryeon foca mais em aspectos culturais e educacionais com ênfase na Coreia do Norte.

Conclusão

O distanciamento das novas gerações de zainichi em relação às suas raízes sul-coreanas e a crescente integração social no Japão representam desafios significativos para as organizações que buscam preservar a cultura e a identidade coreana.

Com o tempo, o sentimento nacionalista que era forte nas gerações mais antigas tem diminuído, à medida que os descendentes se imergem cada vez mais na sociedade japonesa. Muitos jovens da segunda e terceira geração optam por adotar a nacionalidade japonesa, não só para facilitar a integração no sistema educacional e no mercado de trabalho, mas também para evitar discriminação e ampliar suas oportunidades dentro do Japão.

No entanto, essa escolha muitas vezes resulta em uma perda de vínculos com a identidade coreana. Para organizações como a Mindan e a Chongryeon, isso representa um desafio crescente, pois a diminuição do nacionalismo e do interesse nas questões políticas sul-coreanas pode enfraquecer seu papel na manutenção da identidade coreana, dificultando sua missão de preservar tradições culturais.

Diante disso, essas entidades precisam se reinventar, encontrando formas inovadoras de se conectar com as novas gerações, estimulando o interesse por suas raízes culturais, sem pressioná-las a adotar uma identidade que, para muitos, se tornou cada vez mais distante.

Recomendações 🕮

A Arirang TV produziu dois episódios curtos que abordam os zainichi e suas relações com as culturas coreana e japonesa.

Arirang TV Vídeo

Episódio 01 - https://youtu.be/0aTDDk0ppRg?si=xOvGqMsYHFkZBsNf

Episódio 02 - https://youtu.be/cHgPlBWPbu4?si=FLC0hu_GckKpxZdb

Outro ótimo episódio da Asian Boss apresenta a realidade de uma escola Chosun em Osaka, no Japão, vinculada à Chongryeon.

Asian Boss Vídeo

We Visited a Chosun (Ethnic Korean) School in Japan - https://youtu.be/1MxGhiVP2Dg?si=5FDRLpyhfD5Wzflf

E, com base na primeira resenha que escrevi esse mês sobre Pachinko, deixo como recomendação o episódio especial da KBS sobre a primeira geração de mulheres coreanas-japonesas. Assim como Sunja, personagem de Pachinko, essas mulheres enfrentaram as severas regras do império colonial japonês e o racismo predominante ao imigrar para o Japão.

KBS Vídeo

What real-life Korean Japanese women did to survive - https://youtu.be/kUWBkcqPjGU?si=0EVR0RQacePpxARk

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Referência Bibliográfica

CHONGRYEON. Vida no Japão. Disponível em: http://www.chongryon.com/j/life/index.html. Acesso em: 4 jan. 2025.

MINDAN. História da Mindan. Disponível em: https://www.mindan.org/reki.php. Acesso em: 4 jan. 2025.

RYANG, Sonia. Space and Time: The Experience of the "Zainichi", The Ethnic Korean Population of Japan. Urban Anthropology and Studies of Cultural Systems and World Economic Development, [S.l.], v. 43, n. 4, p. 519-550, 2014. SPECIAL ISSUE: Emigration and Immigration: The Case of South Korea. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/24643204. Acesso em: 4 jan. 2025.

MINORITY RIGHTS GROUP INTERNATIONAL. Koreans. Disponível em: https://minorityrights.org/communities/koreans/. Acesso em: 4 jan. 2025.


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